na minha porta há um homem. Um incansável homem. Horas a fio, todas as noites. Não, eu não vou lá fora. Não, eu não ofereço abrigo. Apenas ouço o seu sinal. Horas a fio, todas as noites. Se ele tem sede, não sei. Mas deve me ver acender a luz da cozinha umas duas vezes, o calor é demais. E deve perceber que demoro, tenho fome. Já ele, não sei. E cá nos meus livros, entre uma página e outra, olho pela persiana e lá está ele. Parado. Sozinho. Na minha porta. Por repetir o mesmo gesto todas as noites, até os vizinhos mais novos sabem da sua existência. De tanto tempo, o meu cachorro nem rosna mais, já o reconhece. O incansável homem. Nos sabemos insones e talvez eu saiba mais: tem ele o mesmo nome do meu avô, o mesmo nome do meu pai e o mesmo nome do meu irmão. Às 5h50min, pontualmente, o jornaleiro se aproxima e meu cachorro late, ávido pelo embrulho que cairá em segundos no jardim. Então eu me apresso, abro a porta e pego o jornal, ligeiramente molhado e mastigado. Do jornaleiro nunca vi o rosto. Mas o incansável homem está lá, na minha porta. O dia já está claro e ele pode partir.
- Bom dia, Sr. Antonio.
Responde-me com um apito, o último sinal da nossa mútua e longa vigília. Monta em sua bicicleta e some adiante. Fecho a porta, guardo o jornal e me preparo para dormir. Horas a fio. Todas as manhãs.
Sigo admirando sua escrita firme, interior, forte, lírica.
ResponderExcluirE nessa mútua admiração, eu sigo feliz com isso!
Excluiro habitual que não cansa, preenche. rs
ResponderExcluirO vigia da bicicleta: um clássico.